quinta-feira, 29 de janeiro de 2009

[carta aos escolhidos]

Mãe e Pai,
não sei muito bem por que comecei a escrever isto. E também não sei por que o faço em forma de carta, como se fosse mesmo possível dizer estas coisas, como se fosse possível que vocês escutassem o que escrevo. Deve ser porque existem alturas na vida as quais sentimos necessidade de descobrir sentidos, de pensar em causas e consequências.
Fazemos um balanço, e há pensamentos que só ganham a sua dimensão dentro de nós quando os dizemos a alguém, ainda que seja assim como estou fazendo.
.É claro que a mãe e o pai são as pessoas a quem mais devo, por quem tenho maior gratidão. Como poderia ser de outra forma? Me deram a vida!!! O que tenho a dizer não é crítica, até porque não sei se seria capaz de fazer melhor se estivesse no vosso lugar, seria apenas um desabafo, uma homenagem singela, esta carta é assim como pensar em voz alta, e sei que não me levarão a mal se pudessem ouvir estas palavras.

.Vocês me deram a possibilidade de adquirir experiência, bem como a possibilidade de me tornar uma pessoa corajosa. Aprendi a perder, soube que a vida não podia ser exatamente como desejava, compreendi que devia adaptar-me, ceder, crescer dentro de mim para alcançar objetivos. Como custou então! Tive de aprender tudo isto, não nas coisas pequenas da infância mas nas grandes; não naquilo que teria remédio fácil mas no que não tinha remédio; não dentro das paredes do lar mas na grande casa, cheia de vento da vida. E ainda não aprendi totalmente! Ainda sou muitas vezes a figura da desilusão. Há muitos dias em que viver me enraivece...

Mãe, deste-me tantas coisas! Ainda agora me vem recordações de roupas bonitas que vesti, brinquedos que me deliciaram... dedicação em não faltar comida pra me alimentar...

Mas me digam: Por que não me deram o vosso TEMPO?
Como eu seria agora se tivéssemos vivido na rua, numa barraca, à chuva talvez, mas abraçados, cantando, apoiando-nos uns nos outros?!
Para que queria eu uma televisão no quarto? Ou dinheiro talvez? Não passaram de parênteses na minha vida: tempo que perdi, tempo que me foi roubado, tempo em que estive só.
Pai, se tu soubesses quantas coisas te quis contar e não pude...

.Eu agora sei bem que os melhores brinquedos são os irmãos. Brinquedos vivos, que dão e recebem, que nos fazem crescer e crescem também pelas nossas mãos. Que se transformam depois em grandes amigos para toda a vida, em companhia sempre presente de uma maneira ou de outra, em refúgio e estímulo, em algo que fica quando se perde tudo aquilo a que nos conduziu a nossa loucura, quando se perde o que o tempo nos vai levando.

E se vocês soubessem como me tem custado relacionar-me com outras pessoas ...

Se eu tivesse tido o tempo de vocês, teria aprendido desde muito cedo a limar essas arestas normais da convivência. Saberia desde muito cedo o que é um rapaz, uma rapariga, uma mulher, um homem. Há coisas tão difíceis que nenhum livro ensina! Por que não me deram sua máxima atenção?

.Contudo, meu amor, fascinação e gratidão por tê-los em meu convívio -embora ausentemente- e poder considerar: "Tenho pai e mãe!" ... Isso é confortante sim!
Felizes são aqueles que podem desfrutar desta dádiva da vida!
Tinha que ser assim, e foi assim.
Hoje fico por aqui. Em breve escreverei novamente.





[AMOR maior para os meus pais]

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